Leilão da Aneel prevê obras de transmissão para aliviar gargalos no escoamento da geração renovável e restaurar a confiança de investidores
Por Ruth Andrade/Assessoria CERNE
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) confirmou a realização, em outubro, do próximo leilão de linhas de transmissão, com expectativa de investimentos de R$ 5,53 bilhões. O certame é considerado estratégico para o setor elétrico, não apenas pela ampliação da infraestrutura, mas também como alternativa para enfrentar um problema cada vez mais recorrente no Brasil: o curtailment, ou seja, os cortes obrigatórios de geração de energia renovável.
Atualmente, estados como o Rio Grande do Norte, líder nacional em produção eólica, já convivem com limitações significativas de escoamento. Em determinados períodos, a produção local supera a capacidade das linhas de transmissão, obrigando o Operador Nacional do Sistema (ONS) a reduzir a geração, mesmo com ventos e sol disponíveis. Esse desperdício compromete a eficiência do sistema e ameaça a previsibilidade regulatória.
Segundo o chairman do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE), Jean Paul Prates, a gravidade do problema já pode ser comparada à produção de uma usina de grande porte. “O Brasil já está desperdiçando hoje, em determinados momentos, o equivalente à produção de uma grande usina termelétrica apenas por falta de linhas de transmissão adequadas. No Rio Grande do Norte, esse problema é ainda mais agudo, pois somos a vanguarda da energia eólica nacional. Esse é um prejuízo não apenas econômico, mas também ambiental e reputacional para o país”, destacou.
Os impactos do curtailment vão além do setor produtivo. Para os geradores, representam perdas financeiras relevantes; para os consumidores, resultam em tarifas mais caras, já que os custos desses cortes acabam sendo repassados por meio de encargos setoriais. A insegurança regulatória também desestimula novos investimentos privados em fontes renováveis, reduzindo a atratividade de um setor que é uma das principais vitrines do Brasil no cenário energético global.
Prates chama atenção para a contradição que o país vive. “É um contrassenso celebrar a expansão acelerada das fontes renováveis e, ao mesmo tempo, obrigar parques solares e eólicos a desligarem suas turbinas ou painéis por falta de escoamento. Essa contradição mina a confiança dos investidores e compromete a narrativa do Brasil como potência renovável”, afirmou.
Nesse contexto, o leilão anunciado pela ANEEL surge como uma resposta essencial. Os projetos de reforço na malha de transmissão contemplam estados estratégicos, incluindo o Rio Grande do Norte, onde os gargalos são mais severos. “É crucial que o Rio Grande do Norte esteja contemplado neste certame. O Estado é hoje a principal vitrine do Brasil em energia renovável e precisa de infraestrutura compatível com essa posição de liderança. Sem as linhas de transmissão, não conseguiremos aproveitar todo o potencial que já está instalado e em expansão”, ressaltou o presidente do CERNE, Darlan Santos.
Apesar da relevância, os efeitos não serão imediatos. A construção de grandes linhas de transmissão pode levar mais de cinco anos, enquanto a expansão da geração renovável avança em ritmo acelerado. Por isso, especialistas defendem soluções complementares, como armazenamento em larga escala, projetos de hidrogênio verde, modernização digital do despacho de energia, maior integração entre regiões do SIN e políticas que incentivem a flexibilidade da demanda.
Na visão de Jean Paul Prates, inovação é o caminho inevitável. “Não podemos pensar apenas em linhas de transmissão. O futuro da rede elétrica passa por inovação: armazenamento em grande escala, integração com hidrogênio verde, sistemas digitais de controle e até mesmo o uso de inteligência artificial para otimizar fluxos. O Brasil pode liderar essa agenda, mas precisa agir já”, afirmou.
O Rio Grande do Norte se apresenta como protagonista nesse debate. Além de liderar a produção eólica nacional, o estado já avança em projetos solares e prepara terreno para a futura geração offshore. “O RN é um hub energético natural do Brasil. Aqui já temos todas as condições para combinar diferentes fontes renováveis, testar soluções de armazenamento e desenvolver a futura indústria de eólica offshore. É uma oportunidade única para transformar o estado em referência mundial em transição energética”, reforçou Darlan Santos.
O risco, segundo analistas, é que a expansão da geração continue superando a capacidade de escoamento, o que poderia frear a atração de capital privado. Investidores já monitoram com atenção a insegurança causada pelo curtailment. Caso não haja uma resposta coordenada, o país pode desperdiçar a oportunidade de consolidar sua liderança global em energias renováveis.
Para o setor, a agenda de longo prazo deve reunir medidas como a aceleração dos leilões de transmissão, incentivos a novas tecnologias de armazenamento, integração com cadeias produtivas emergentes, como a do hidrogênio verde, e ajustes regulatórios que valorizem a flexibilidade do sistema.
“Precisamos planejar o futuro do setor elétrico brasileiro de maneira integrada, olhando para a próxima década. A solução não está em uma medida isolada, mas em uma estratégia coordenada que una transmissão, inovação tecnológica, regulação moderna e atração de investimentos. Só assim o Brasil consolidará sua posição de liderança mundial em energia limpa”, concluem Jean Paul Prates e Darlan Santos.
Além do Rio Grande do Norte, o edital prevê empreendimentos em outros 11 estados: Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo.
