O Rio Grande do Norte deverá iniciar a produção de hidrogênio verde (H2V) até 2024, a partir da exploração de energia eólica offshore (em alto-mar), especialmente. O Estado tem capacidade de alcançar o equivalente a 130 gigawatts (GW), mesma capacidade de geração de eólica no mar, segundo projeções do professor e especialista em energias renováveis, Mario González. Mas, nos próximos dois anos, as atividades do setor devem se concentrar em projetos-piloto (produção em pequena escala), cuja capacidade gira em torno de 10 a 16 megawatts (MW).
De acordo com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico (Sedec/RN), o RN tem protocolos de intenção junto à Neoenergia para a produção de H2V, por meio de um projeto-piloto. Da mesma forma, há protocolos com a Energy Volt Brasil para armazenamento do combustível em grande escala. Esse tipo de produção, no entanto, deve iniciar somente em cinco anos, conforme explica o professor Mario González, coordenador do Grupo Creation, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“Quando falamos em produção em grande escala, estamos falando em algo acima de 1 GW”, afirma. O professor avalia que o Estado poderá chegar à capacidade total de produção de H2V, mas não há estimativa de quando isso deve acontecer. “Nós iremos conseguir produzir esse quantitativo [de 130 GW], porque o hidrogênio verde é a grande tecnologia que os países precisam para descarbonizar a economia. Mas é difícil fazer uma previsão de quando chegaremos a esse patamar”, detalha González..
“Tudo vai depender das decisões políticas mundiais e do cumprimento do Acordo de Paris. Algo que dá para afirmar é que, em 2030, já estaremos falando em exportação de hidrogênio verde”, acrescenta o especialista. Darlan Santos, presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne/RN), explica como o processo de produção de H2V deve acontecer no Estado.
“As primeiras plantas de hidrogênio vão surgir junto com as plantas de energia eólica offshore, ou seja, uma parte desses parques eólicos em mar vai gerar energia elétrica para as plantas de hidrogênio [que vão estar próximas] e produzir o combustível para exportação”, detalha o dirigente.
As atividades do setor são embrionárias e, por isso, conforme Santos, ainda há muitas questões que precisam ser aprofundadas. “São indagações como: qual o real custo de investimento para a instalação de uma usina aqui na região, qual o real custo da produção da molécula de hidrogênio que vai ser exportada e quais as nossas necessidades de infraestrutura para a instalação dessas plantas?”, provoca Darlan Santos.
Outro ponto a ser analisado, segundo o presidente do Cerne, é a forma como o transporte do combustível se dará. “São questões que estão sendo mapeadas e discutidas em pesquisa”, esclarece. O H2V é obtido por meio de eletrólise, processo químico em que uma corrente elétrica separa o hidrogênio do oxigênio que existe na água. O gás é chamado hidrogênio verde quando a eletricidade vem de fontes renováveis.
Chamada atrai projetos P&D de 14 estados
Segundo especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE, o potencial de negócios para a produção de hidrogênio verde advém da necessidade dos países de atingir as metas e objetivos estabelecidos na COP-26. Na Conferência da ONU sobre Mudanças climáticas, que aconteceu em Glasgow, no final do ano passado, o Brasil se comprometeu em reduzir em até 30% os gases do efeito estufa. Até 2050, a previsão é zerar a produção de carbono. Outros países também se comprometeram a apostar em energia limpa.
“Várias nações do mundo possuem limitações de energia, porque dependem muito do consumo de energia fóssil, especialmente o petróleo e o carvão. Por isso, eles precisam ter energia que garanta seu desenvolvimento e que, ao mesmo tempo, substitua esses dois recursos. E aí, surge o hidrogênio”, relata Rodrigo Mello, diretor do ISI-ER e do Centro de Tecnologias do Gás e Energias Renováveis (CTGAS-ER).
Mello destaca que o Brasil tem uma das melhores condições do mundo para a produção de energia renovável e o Rio Grande do Norte é um dos principais protagonistas no setor. “Aqui se dará uma das grandes produções de hidrogênio verde por causa das nossas condições naturais”, afirma. Por se tratar de recentes movimentações em relação ao H2V, os especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que ainda é cedo para falar em investimentos, mas é consenso de será um mercado com potencial para movimentar cifras volumosos.
“Falar do mercado de energia eólica offshore é falar de bilhões, porque são projetos caros, com duração de até 25 anos. Sem falar que o hidrogênio será bastante cobiçado pelo mercado internacional. Então, vale a pena o Estado priorizar estratégias para aproveitar uma boa fatia desse bolo, não apenas do ponto de vista dos negócios, mas do ponto de vista industrial também”, aponta Mario González, da UFRN.
Rodrigo Mello, do Senai, chama atenção para o fato de que o mercado deverá aquecer toda uma cadeia. Sem arriscar sobre estimativas de investimentos, Mello pontua que a última chamada pública, coordenada pelo SENAI (Missão Estratégica Hidrogênio Verde), somou R$ 14,5 milhões em propostas para o Rio Grande do Norte, o quarto maior valor entre os estados, empatado com o Amapá.
Isso, de acordo com ele, funciona como um termômetro para tomar por base investimentos para o mercado. Além dos bons números para o Estado, a expectativa é que os valores superem o montante inicialmente esperado para todo o País. “A gente tinha uma perspectiva de propostas no valor de R$ 18 milhões, mas elas, 36 no total, totalizam R$ 186 milhões. Recebemos propostas de 14 estados”, destaca Rodrigo Mello. A finalização do processo, com o anúncio e contratação das propostas, deve acontecer em fevereiro.
A chamada, uma parceria do Senai com a empresa CGT Brasil, uma das líderes em geração de energia limpa no País, apóia projetos de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I) em hidrogênio verde, o combustível do futuro. Entre os projetos, 74% focam na produção de hidrogênio verde, 20% no uso industrial, 3% no transporte e outros 3% em certificações do produto.
Para atender à demanda que o mercado exigirá, o Senai, que tem pesquisas na área desde 2010, investe em formação de mão de obra. E a procura tem sido significativa. Na quarta-feira (26), um levantamento divulgado a partir de matrículas realizadas nos últimos três anos pelo CTGAS-ER, do SENAI-RN, mostra que a busca por qualificação em energia eólica, em 2021, superou em mais de três vezes o nível registrado pré-pandemia no Estado.
Cursos presenciais e a distância relacionados à atividade atraíram 1.105 pessoas, entre janeiro e dezembro de 2021, ante 330 em 2019. Em 2020, o contingente chegou a 764. “O SENAI-RN, através do CTGAS e do ISI-ER é referência para o Brasil na formação de pessoas para a indústria de energia renovável e, no caso do hidrogênio verde, não será diferente”, ressalta Rodrigo Mello. “Com os projetos batendo à nossa porta, o Estado terá a responsabilidade de dar respostas intelectuais e de auto valor agregado para o mercado”, acrescenta.
As regras para exploração de energia offshore ainda começam a engatinhar. O Decreto 10.946, publicado na terça-feira (25), em edição extra do Diário Oficial da União, estabelece regras para exploração energética dos ventos marítimos, prática que ainda aguardava definições no Brasil.
O texto prevê o aproveitamento em águas interiores de domínio da União, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, para geração de energia elétrica dos chamados “empreendimentos offshore”. Isso deve acontecer, de acordo com o decreto, por meio de cessões de áreas no mar para projetos eólicos ou atividades de pequisa e desenvolvimento tecnológico.
Maioria dos projetos estão em fase de pesquisa
A grande maioria dos projetos para produzir hidrogênio verde no Rio Grande do Norte está em fase de pesquisas. O Governo do Estado assinou protocolos de intenção com entidades e empresas para estudos sobre a produção do combustível. Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico do RN, Jaime Calado, em setembro do ano passado, a Sedec criou um grupo de trabalho para avaliar a instalação de um porto, que deve servir à produção de energia eólica offshore.
“Queremos que esse porto inclua produção, embarque e desembarque de hidrogênio verde. Para o estudo sobre a instalação do equipamento, contratamos uma equipe da UFRN e no próximo mês, eles vão apontar as melhores características para a implantação”, explica Calado.
De acordo com ele, a equipe está analisando questões como viabilidade técnica, econômica e ambiental, além de avaliações sobre o melhor local para instalação do porto. Um técnico dinamarquês também participa dos estudos. Para além de atender às demandas da energia eólica offshore e de H2V, a expectativa é que tecnologias como a amônia verde também sejam contempladas.
Com a produção do combustível atrelada a recursos renováveis, o Governo do Estado decidiu criar, em parceria com o Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), de Natal, um atlas das energias eólica e solar. “Já instalamos seis estações solarimétricas em regiões diferentes, inclusive, uma delas, é no mar, para medir em tempo real a radiação do sol, a direção e a velocidade do vento”, destaca o secretário.
Além disso, até março, segundo ele, uma torre de 170 metros deverá ser instalada em Jandaíra, no interior do Estado, para medir velocidade, força e direção do vento 24 horas por dia. As informações serão reunidas no atlas e devem ajudar a consolidar estudos já concluídos ou em curso sobre o offshore no Estado.
Fonte: Tribuna do Norte | Felipe Salustino