Queda de preços das renováveis – por que o consumidor ainda não enxerga essa redução?

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Uma análise do que vem sendo pago por meio das “contas de luz” e reflexões sobre as discussões que estão em pauta e que podem mudar essa realidade

Que o preço das energias renováveis caiu significativamente no Brasil e no mundo na última década, isso não é novidade para ninguém.

A preocupação com o desenvolvimento e a priorização de tecnologias de baixas emissões, em especial na Europa, e uma pressão competitiva vinda da China, uma economia capaz de fornecer equipamentos em grandes quantidades a preços decrescentes, respondem por grande parte desse fenômeno no mundo. No Brasil, a consolidação de um sistema de aquisição competitiva da energia gerada por essas fontes, que são os nossos leilões de energia, foi decisiva para a crescente fixação da indústria no país e para a queda de preços.

Ocorre que o que nem todo mundo entende é por que o consumidor, a tão avocada “Dona Maria”, não sente no bolso essa queda.

Então aí vão algumas respostas.

Primeiramente, o consumidor não paga só pela energia gerada, ou seja, os elétrons que chegam em sua casa, mas, e não teria nem como ser diferente, por todo o serviço prestado (e o investimento associado) pelas transmissoras de energia (que levam a energia do gerador até a distribuidora em redes de alta tensão) e pelas distribuidoras de energia (que, em redes de menor tensão, fazem os elétrons chegarem nas casas, comércios, indústrias, postes etc.).

Além disso, os consumidores pagam tributos (impostos) e encargos setoriais por meio de sua conta de luz.

Com relação aos tributos, trata-se de questão que independe das regras do setor elétrico. Basicamente, como vivenciamos em diversas outras esferas das nossas vidas, notamos grande irracionalidade na política e legislação tributárias vigentes e sabemos que a solução passa por uma reforma tributária ampla.

Um exemplo recente, no setor de energia (não elétrica), foi o esforço fiscal realizado pelo Governo Federal para reduzir o PIS e a Cofins sobre o diesel, em resposta à greve dos caminhoneiros, e que foi abocanhado por alguns Estados (não chegando, pois, ao caminhoneiro nesses Estados) quando elevaram o preço de referência para o cálculo do ICMS sobre o combustível.

No setor elétrico, chamam atenção as crescentes judicializações em decorrência da iniciativa recente de alguns Estados de cobrarem ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD).

Certo é que a energia elétrica é base segura de arrecadação e que, com a crise fiscal vivenciada pela União e Estados, não se vislumbra grande espaço para a redução da carga tributária no setor, exceto na hipótese de um pacto mais amplo sob a forma de uma reforma tributária.

Já no que diz respeito aos encargos setoriais (que geralmente respondem pelas siglas CDE – Conta de Desenvolvimento Energético, CCC – Conta de Consumo de Combustíveis e RGR – Reserva Global de Reversão, contando com legislação específica), trata-se, de maneira resumida, de um grande fundo para o qual contribuem todos os consumidores do Brasil com recursos arrecadados por meio de suas contas de luz, e que tem como objetivo realizar políticas afetas ao setor elétrico.

É dele que saíram os recursos que permitiram conectar mais de 3.300.000 unidades consumidoras às redes de distribuição num dos internacionalmente mais bem sucedidos e aclamados programas de universalização de acesso, que é o Programa Luz para Todos. É desse fundo que saem os recursos para subsidiar a tarifa social – tarifas mais módicas para pessoas com menor capacidade de pagamento. Mas também é desse fundo que saem os recursos para subsidiar tarifas de classes de consumo específicas, como os irrigantes; e também para incentivar a migração de consumidores para o mercado livre quando adquirirem energias renováveis. Todos nós pagamos por isso.

Assim, não afastando a relevância dos encargos setoriais para o desenvolvimento energético, mas também o seu peso no bolso do consumidor, o que a sociedade cobra é algo que entrou na agenda do Governo, qual seja: dotar os encargos setoriais de focalização, eficiência e transparência, cujas diretrizes constam em alteração promovida na Lei nº 10.438, de 2002, com regulamentação dada pelo Decreto nº 9.022, de 2017. Em decorrência dessas alterações, vivenciamos hoje um debate que transcende o setor elétrico, que busca a justificativa, por parte dos setores beneficiados pelos subsídios cruzados, da relevância desses recursos para suas políticas e/ou seu desenvolvimento.

Outra iniciativa, desta vez encabeçada pela ANEEL, no sentido de otimização da utilização dos recursos dos encargos setoriais, são os leilões para descontratação de energia no Norte, a começar por Roraima, com o objetivo de redução da CCC. A CCC (Conta de Consumo de Combustíveis) é o encargo setorial associado ao consumo de combustíveis fósseis em regiões do país que ainda não são ou que até pouco tempo atrás não eram interligadas ao Sistema Interligado Nacional, ou seja, regiões em que o custo da energia fornecida aos consumidores é bem mais alto do que no resto do país.

Entrou na pauta ainda, mais recentemente, a discussão sobre a pertinência dos subsídios para a migração de consumidores para o mercado especial (migração de consumidores do mercado regulado das distribuidoras para o mercado livre quando contratam energias renováveis).

Embora no mérito bastante louvável uma política que estimule a geração e o consumo de energias renováveis, o que se observa é que essa política em especial vem introduzindo uma distorção muito grande nos encargos setoriais, já que quem migra recebe desconto na TUSD bancado pelos encargos. Basta acompanhar o crescimento dessa rubrica no orçamento da CDE para se adquirir uma noção do que está em jogo.

Neste ponto, voltemos à provocação deste artigo. Se as energias renováveis já são competitivas, talvez tenhamos chegado ao momento de reanalisar a pertinência desses subsídios para essa migração, e que tanto pesam no bolso do consumidor.

Além de reanalisar esses subsídios, talvez tenhamos que também olhar para os incentivos fiscais.

Os leilões de energia no Brasil, que serviram de inspiração para diversos países do mundo, como recentemente reiterado pelo Renewables Market Report de 2018, da Agência Internacional de Energia, são desenhados para considerarem as características das fontes, daí os preços por produtos, permitindo a precificação realista das fontes. Assim, se queremos dar sinais de preço adequados ao consumidor sobre quanto de fato custa a energia que ele está contratando, talvez tenha chegado o momento de rediscutirmos os incentivos fiscais concedidos para energias renováveis, que inicialmente eram defendidos para dotar essas fontes de competitividade.

As discussões deveriam observar o tratamento isonômico entre as fontes, se queremos dar sinais de preço adequados para os consumidores. Por outro lado, isso só será possível se os agentes pararem de recorrer ao Congresso Nacional para buscar tratamento diferenciado.

Outra questão que é preciso ter em mente quando se olha a conta de luz e não se percebe a queda de preços das fontes renováveis é que essas fontes são contratadas marginalmente, ou seja, projetos novos de energias renováveis são contratados em leilão de energia nova, para atender à expansão da carga, o crescimento da demanda.

A nossa conta de luz conta uma história. Nela pagamos decisões políticas do passado que permitiram a conformação do setor elétrico que hoje conhecemos, com essa matriz extremamente renovável, mas cada vez mais diversificada, que tantos países invejam.

Na nossa conta de luz pagamos pela energia de Itaipu (projeto binacional mundialmente pioneiro e que responde por 17% do consumo de energia elétrica no Brasil), pela energia de Angra 1 e 2 (as primeiras usinas nucleares brasileiras, de tecnologias americana e alemã, respectivamente), pelo PROINFA (o primeiro programa brasileiro de incentivo a fontes renováveis, que não as grandes hidrelétricas, e que precedeu os leilões que hoje as contratam).

Na nossa conta de luz pagamos pelo baixo custo da energia das hidrelétricas prorrogadas em 2013 mas também pelo elevado custo do risco hidrológico associado à essa geração.

Na nossa conta de luz pagamos por contratos de longo prazo, às vezes de até 35 anos, dos novos projetos contratados por meio dos leilões de energia nova, haja vista que os contratos de longo prazo são avaliados como relevantes para viabilizar esses novos projetos por garantir sua financiabilidade.

Não obstante, há discussões em aberto, que requerem aprofundamento, mas que permitiriam melhorar a carteira de contratos das distribuidoras.

A separação de lastro de energia (que poderia, então, ser contratada mais a curto prazo) e lastro de potência (que têm interesse sistêmico e, por isso, pode ser alocada a um universo de pagantes distinto) é uma. Trata-se de uma discussão que visa dotar de maior transparência e simplicidade a alocação de custos, se consideramos que o setor às vezes contrata energia mais cara para agregar segurança (potência) ao sistema.

Por fim, falando naquilo que o consumidor paga e enxerga na conta de luz, acho que vale tecer alguns comentários sobre o serviço de distribuição de energia elétrica.

Chegamos à época em que o mundo todo defende o protagonismo do consumidor. O consumidor vê na energia elétrica uma fonte de conforto que ele quer poder adquirir ao menor custo possível.

Trata-se de um mundo em que o consumidor está cada vez mais consciente sobre meio ambiente; um mundo em que big data e smart grid estão virando realidade

Um mundo em que a geração distribuída pode representar desafios de recuperação de investimentos para as distribuidoras.

Um mundo em que as distribuidoras têm que poder passar de operadoras de redes de distribuição para prestadoras de serviços inteligentes.

Para tornar isso uma realidade existe, então, uma discussão que ainda precisa ser iniciada, tanto no âmbito das políticas públicas quanto no da regulação.

Se o futuro da distribuição passa também pela viabilização da geração distribuída e pelo empoderamento do consumidor, o que requererá que essas empresas agreguem valor ao serviço prestado, precisamos criar os incentivos adequados.

No que tange à concessão de serviço público de distribuição, os contratos de concessão ainda não incorporam essa dimensão que ainda precisa ser discutida. Na regulação, as receitas que as distribuidoras possam aferir de outros serviços, que não a pura entrega da energia, são majoritariamente capturadas para a modicidade tarifaria. O compartilhamento de infraestrutura – com setores menos regulados como telecomunicações – também necessário para a prestação desses serviços inteligentes, ainda carece de harmonização de regulação.

Não obstante todo esse caminho que ainda precisamos trilhar, para concluir e voltando para o presente, e para a desigual realidade brasileira, não seria justo desenhar um futuro moderno para o setor de distribuição sem antes, no curto prazo, dotar de condições mínimas de desenvolvimento o serviço público de distribuição nos Estados, cujas distribuidoras foram federalizadas na década de 90, agora em processo de privatização.

Essa transição, que visa permitir um salto de patamar no atendimento às populações locais, representará despesa adicional para todos nós, consumidores de energia do país, por meio dos encargos setoriais, mas num horizonte já delimitado. Trata-se, assim, de solução estrutural para o atendimento àquelas regiões – para que a realidade hoje vivenciada no resto do país possa chegar por lá: a prestação de um serviço público com qualidade e eficiência e com capacidade de investimento, até para possibilitar que essas populações, assim como nós, tenham direito às maravilhas que poderão nos proporcionar as “distribuidoras do futuro”, sobre as quais discorremos anteriormente.