O vento forte que não para de soprar fez da pequena Icaraí de Amontada, na costa oeste do Ceará, uma ilha de usinas eólicas. Elas geram energia elétrica usando a força dos ventos. Ali, para qualquer lado que se olhe, modernas e gigantescas torres de quase 150 metros de altura – do tamanho de um prédio de 42 andares – destoam do cenário rústico da antiga vila de pescadores, com suas dunas, praias e lagoas. Reduto de atletas estrangeiros praticantes de kitesurf e windsurf, a comunidade, de 2,4 mil habitantes, entrou para a lista dos melhores ventos do Brasil e ajudou a elevar a participação da energia eólica para mais de 30% do consumo do Nordeste.
Os parques instalados na região de Amontada estão entre os mais eficientes do planeta. Enquanto no mundo, as usinas eólicas produzem, em média, 25% da capacidade anual, no Complexo de Icaraí esse porcentual é mais que o dobro. As 31 torres que compõem o parque produzem 56% da capacidade anual. Para ter ideia do que isso significa, nos Estados Unidos, esse indicador é de 32,1%; e na Alemanha, uma das maiores potências eólicas do mundo, de18,5%. “O vento no Nordeste é muito diferenciado”, afirma Luciano Freire, diretor de engenharia da Queiroz Galvão Energia, dona do complexo eólico de Icaraí.
É por causa da qualidade desse vento – forte e constante – que o Nordeste despontou como uma das maiores fronteiras eólica do mundo. Hoje, os parques em operação na região são responsáveis pelo abastecimento de boa parte da população local de 56 milhões de pessoas. Em 17 de abril deste ano, por exemplo, quando os nordestinos iniciavam mais uma jornada de trabalho, às 9h06, as eólicas produziram 50% da energia consumida naquele momento. Por períodos mais longos, como um dia inteiro, os parques – que até bem pouco tempo eram incipientes no Brasil – chegaram a produzir 35% da carga média do Nordeste, recorde alcançado no dia 19 de maio.
Não é difícil entender a rápida expansão das eólicas no Brasil. Em 2008, com a crise internacional, o consumo mundial de energia despencou, paralisou uma série de projetos e deixou as fábricas ociosas. Em busca de demanda, elas desembarcaram no Brasil – onde o uso da energia crescia a taxas de dois dígitos – e derrubou o preço das eólicas, até então caras por aqui. A partir de 2009, com leilões dedicados à essa fonte de energia, os investimentos decolaram.
De lá pra cá, o setor recebeu R$ 67 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Esse montante colocou o País na 10ª posição entre as nações com maior capacidade instalada do mundo. Foi um grande avanço. Até 2008, a potência do parque eólico brasileiro era de 27 megawatts (MW). No mês passado, alcançou a marca de 9,7 mil MW, volume suficiente para abastecer mais de 45 milhões de habitantes. No total, são 5.141 turbinas instaladas Brasil afora. Cerca de 82% delas estão no Nordeste.
Complementar. Mas, ao contrário das hidrelétricas que entram na base do sistema elétrico, as eólicas devem ser usadas como complementos por serem intermitentes. Mesmo no Nordeste, onde o vento é mais constante, é preciso considerar as intempéries da natureza, ou seja, pode parar de ventar a qualquer momento. Em 2015, entretanto, não fossem por elas, o Nordeste poderia ter entrado num traumático racionamento por causa do baixo nível dos reservatórios, especialmente o da hidrelétrica de Sobradinho, responsável por 58% do armazenamento da Região.
Segundo Bernardo Bezerra, diretor da consultoria PSR, especializada em energia elétrica, entre 1993 e 2015, a vazão de Sobradinho ficou 25% abaixo da média histórica. “Houve uma mudança no padrão do Nordeste.” Até abril deste ano, o volume dos lagos da região estava 57% abaixo do verificado em 2012 – último ano em que as represas conseguiram ficar acima de 70%.
Com alguns raros projetos de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) em desenvolvimento no Estado de Pernambuco e sem potencial para grandes hidrelétricas, a vocação do Nordeste tem se inclinado cada vez mais para a energia eólica. Segundo a presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum, até 2020, a participação da energia do vento na matriz elétrica brasileira vai saltar dos atuais 6% para 20% da capacidade instalada. No Nordeste, essa participação será ainda maior, de 30%. Em termos de consumo, a fonte será capaz de atender cerca de 70% da carga da região em alguns momentos do dia.
Emprego. Nos próximos três anos, diz Elbia, o volume de investimentos em novos parques será de R$ 40,8 bilhões. Ela destaca que cada megawatt de eólica instalado cria 15 postos de trabalho em toda cadeia produtiva, desde o canteiro de obras até a fabricação de pás, aerogeradores e torres. Em tempos de crise econômica, a notícia é muito bem-vinda. Seguindo o cálculo da Abeeólica e considerando que entre 2017 e 2019 estão previstos mais 6,8 mil MW de potência, o setor pode gerar 102 mil postos de trabalho.
Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará são os Estados com maior número de empreendimentos em construção ou com capacidade já contratada. Os novos investimentos podem amenizar um pouco a crise que se alastra pelo País. Quase sempre localizados em áreas pouco desenvolvidas, os empreendimentos trazem forte melhoria na renda da população local, que tem poucas opções de emprego.
Nos últimos anos, com a construção dos parques eólicos, muitas famílias passaram a contar, do dia para a noite, com uma renda generosa para os padrões da região – cada torre pode render até R$ 1 mil para as famílias. Segundo a Abeeólica, no Nordeste, a construção das usinas envolveu mais de 2 mil famílias. No Brasil inteiro, a construção dos parques gera R$ 10 milhões por mês de renda para as famílias que arrendaram suas terras.
Fonte: Estadão | Renée Pereira (Textos) | Nilton Fukuda (Fotos)
Leia a matéria na íntegra: clique aqui