Enel estuda investir em transmissão de energia no Brasil

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Rodrigo Polito e Cláudia Schüffner | Valor Econômico

A gigante energética italiana Enel estuda investir no mercado de transmissão de energia brasileiro. Segundo o principal executivo do grupo no mundo, Francesco Starace, uma decisão estratégica da companhia sobre o assunto deve ser tomada até o fim deste ano. “Pensamos várias vezes sobre transmissão [de energia], não só no Brasil, mas na América do Sul. Temos uma grande operação de transmissão na Europa, que mantemos separado. Temos experiência, conhecemos o negócio”, afirmou ao Valor.

De acordo com ele, há potencial em conectar Estados diferentes do Brasil e também os países vizinhos. “Mas, para ser honesto, até agora não estivemos realmente focados [em transmissão no Brasil]

. É algo que estamos olhando agora e, daqui até o Natal, temos que decidir se queremos começar uma linha de negócios nesse segmento no Brasil. Vamos avaliar se faz sentido ou apenas dizer ‘não’. Vamos focar em distribuição”, disse.

Segundo o executivo, a decisão levará em conta a necessidade de ter uma equipe adequada para o negócio e dedicar tempo da companhia para a atividade. “Se decidirmos fazer [investir em transmissão], é preciso fazer o tempo todo, não apenas um pouco aqui e um pouco ali. Por isso é que vai demorar um tempo [para decidir]”, completou.

Caso se concretize, o investimento no setor de transmissão será mais um passo estratégico do grupo italiano no país, marcado nos últimos anos por aquisições agressivas. Entre as principais operações estão as aquisições das distribuidoras Eletropaulo, este ano, e Celg (atual Enel Distribuição Goiás), no fim de 2016, somando R$ 7,7 bilhões, e da hidrelétrica de Volta Grande (MG), por R$ 1,4 bilhão. Embora não haja dados específicos sobre o Brasil, o país tem participação relevante nos negócios da Enel na América do Sul, que respondem por 17,6% do faturamento global da italiana, de 74,6 bilhões de euros (o equivalente a quase R$ 340 bilhões).

Distribuição

Em sua primeira entrevista exclusiva a um veículo brasileiro após aquisição da Eletropaulo, maior distribuidora de energia do Brasil, em junho, Starace contou que o grupo tem interesse por duas das seis distribuidoras que a Eletrobras pretende privatizar. Sem citar o nome das empresas, ele contou que o foco são as distribuidoras mais próximas dos ativos do segmento que a companhia já possui no país.

“Sobre as distribuidoras da Eletrobras, já compramos uma que foi vendida [ex-Celg, de Goiás]. Agora existem seis. Dessas seis, talvez duas nos interessem. Não estamos interessados em todas elas”, afirmou Starace. “É difícil dizer [quais são as distribuidoras] porque é uma informação da companhia, mas você pode entender facilmente, por conta própria, quais são, se você olhar no mapa e ver onde estamos. Não é difícil”, completou.

No mercado, a aposta é que a Enel tem interesse pela Cepisa, do Piauí, e Ceal, do Alagoas. Além de mais atrativas, do ponto de vista econômico-financeiro, as duas distribuidoras estão localizadas próximo da Enel Distribuição Ceará (ex-Coelce), distribuidora da Enel naquele Estado.

Starace também admitiu o interesse pela Light, distribuidora que atende a região metropolitana do Rio de Janeiro. Ele, porém, afirmou que a abordagem atual do controlador da empresa, a mineira Cemig, com relação à intenção de vender o ativo, não está muito clara no momento. “As duas companhias [Light e Enel Distribuição Rio (ex-Ampla)] são muito próximas uma da outra e mostramos interesse em uma aquisição no passado. A Cemig, acionista da Light, não tem um ‘approach’ lógico sobre vender. E não estou certo se essa decisão será tomada em algum momento. Tem sido ‘sim’ e ‘não’ [sobre estar à venda] por muito tempo. Hoje não é claro. E houve uma série de mudanças na estrutura da direção da Cemig nos últimos anos. Talvez eles precisem de mais tempo, talvez estejam esperando o leilão da [das distribuidoras] Eletrobras para ver o interesse em torno dela [Light]. Estou apenas supondo”, completou o executivo.

Starace também confirmou que o grupo colocou à venda ativos de geração de energia eólica e solar no Brasil, conforme antecipado pelo Valor há duas semanas. Sem detalhar quais ativos estão sendo oferecidos ao mercado, ele explicou que o negócio faz parte de uma nova linha estratégica da companhia de vender a participação acionária, mas manter a operação de usinas já construídas (“build, sell and operate”).

“É um sistema que estamos querendo implementar. Começamos nos Estados Unidos três anos atrás. Então fizemos no México. Então fomos perguntados por alguns fundos se nós tínhamos interesse de fazer o mesmo no Brasil. E dissemos ‘por que não?’”, disse Starace. Segundo ele, é possível concretizar alguma operação nesse sentido ainda este ano.

Geração

Questionado sobre a estratégia do grupo na área de geração de energia no Brasil, Starace afirmou que a empresa mantém planos de crescimento no segmento no país, por meio de leilões ou no mercado livre, desenvolvendo projetos para atendimento a consumidores industriais e comerciais específicos. A companhia possui um portfólio atual de cerca de 3 mil megawatts (MW) em operação – de hidrelétricas, eólicas, parques solares e uma térmica a gás natural – e de aproximadamente 1 mil MW em construção – principalmente eólicas e parques solares.

Starace também encara com aparente naturalidade os problemas que a Enel Geração Fortaleza (ex-TermoFortaleza), termelétrica a gás natural controlada pela empresa, está enfrentando desde que o suprimento do combustível foi suspenso. A térmica é uma das integrantes do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), do governo federal, e desde o dia 28 de fevereiro briga com a Petrobras por meio de liminares para receber o gás. A última liminar válida é da estatal brasileira, que conseguiu suspender o fornecimento de gás.

“Isso acontece muitas vezes no mundo. Toda vez que há um contrato de longo prazo com um único supridor sempre algo acontece ao longo dos anos, por causa do preço do gás, para o comprador, porque [o preço] está alto ou para o vendedor porque [o preço] está baixo. Não é algo específico do Brasil, francamente”, disse o executivo.

O principal executivo do grupo no Brasil, Carlo Zorzoli, vem defendendo uma solução legal para o problema, que seria uma autorização para que a empresa possa repassar para a tarifa que cobra dos consumidores o aumento do preço do gás natural usado como combustível.

Cenário político

Questionado sobre o cenário político do Brasil, que passará por eleição presidencial em outubro, ele disse que este não é um ponto de preocupação para o grupo. “Não estou preocupado com a evolução da situação política no Brasil. O Brasil entrou em uma grande crise política e institucional nos últimos dois anos e gerenciou de maneira muito boa a situação. As instituições brasileiras são muito resilientes e fortes. Não vejo fraqueza nas instituições no Brasil, no Parlamento, no governo e no Judiciário. E eleições acontecem em todo lugar o tempo todo. Isso é normal, nada com que se preocupar. Não vejo nenhuma ameaça à democracia, ao livre mercado ou ao que faz a sociedade funcionar bem no Brasil”.

Starace, que concedeu entrevista por videoconferência, afirmou que pretende vir ao Brasil até o fim deste ano. Se confirmada, será a primeira visita do executivo ao país após a aquisição da Eletropaulo.

Devido à operação, a Enel espera crescimento da receita do grupo no Brasil e um aumento do volume de investimentos no país, dentro do próximo planejamento estratégico (2019-2021), que será divulgado em novembro. No plano atual (2018-2020), que não considera a Eletropaulo, os investimentos previstos no Brasil são da ordem de 600 milhões de euros por ano.

Na última semana, Starace recebeu, em Roma, o título de “Comendador da Ordem de Rio Branco” do embaixador do Brasil na Itália, Antonio Patriota. O título é um reconhecimento que o governo brasileiro confere a pessoas físicas e jurídicas ao redor do mundo que beneficiaram significativamente o país por seus méritos na política, cultura, economia e ciência. De acordo com a Enel, Starace foi agraciado por méritos econômicos e, em particular, pelo papel-chave que vem atribuindo por meio do crescimento do grupo no país, contribuindo para a disseminação das energias renováveis no Brasil.

(Colaborou Camila Maia, de São Paulo)

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