Energia Eólica: sustentabilidade e desenvolvimento local para o Nordeste

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Além de energia limpa, os parques eólicos geram milhares de empregos na região e contribuem para o desenvolvimento local. Mesmo com tantas vantagens, esses empreendimentos podem gerar alguns impactos ambientais e sociais negativos. Diálogo com as comunidades do entorno é fundamental para que todos se beneficiem.

Por Ana Paula Silva e Danielle Leite

O uso da energia eólica no Brasil se iniciou em 1992, com a instalação da primeira turbina em Fernando de Noronha. Esses quase vinte anos de produção, tornaram a energia proveniente dos ventos muito relevante para o Sistema Energético Brasileiro, trazendo muitos impactos positivos (e alguns negativos) para todo o país e para as localidades nas quais os parques eólicos estão instalados.

Geração de emprego e renda

As vantagens de geração de energia eólica são inegáveis, pois se trata de uma energia limpa, barata, renovável e abundante no Brasil, que não produz resíduos em seu processo de geração. Segundo a ABEEólica, as melhorias tecnológicas que visam a otimização de processos e a redução das perdas de energia na fonte geradora também têm tornado a energia eólica ainda mais sustentável. Um estudo da associação confirma que o Brasil deixou de emitir 22,8 milhões de toneladas de CO2 em 2019 – o equivalente à emissão anual de cerca de 21,7 milhões de automóveis.

Do ponto de vista econômico, a produção de energia eólica traz um importante incremento à geração de emprego e renda das regiões produtoras e uma dinamização da economia local. Um dos fatores está no modelo de arrendamento de propriedades adotado por grande parte dos parques eólicos, o que permite uma geração de renda a pequenos produtores rurais e agricultores de subsistência.

O investimento em infraestrutura e energia limpa traz muito emprego em diversos setores da economia, já que a cadeia produtiva contempla diferentes áreas e é complementar às outras atividades econômicas. “Ninguém precisa abrir mão da agricultura ou da pecuária para produzir energia eólica. Existe um efeito de distribuição de renda, ao assinar um contrato de 20 anos, o proprietário da terra passa a receber uma quantia mensal em dinheiro por aerogerador instalado em seu terreno”, explica o diretor-presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (CERNE), Darlan Santos.

Ainda de acordo com Darlan, o setor de energia eólica, em 2016, gerou um número de empregos diretos que passava de 150 mil em todo o Brasil. A ABEEólica estima que para cada novo megawatt (MW) instalado, 15 empregos diretos e indiretos sejam criados. Já a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) estima que até 2026 a cadeia eólica possa gerar aproximadamente 200 mil novos empregos diretos e indiretos. “O potencial de criação de empregos é grande porque a cadeia eólica é longa. As etapas se iniciam desde o desenvolvimento do projeto, a fabricação, até a montagem e operação de um parque eólico”, afirma.

A presença da produção de energia eólica também promove o aumento da capacidade de consumo do município por meio do aumento da circulação de dinheiro e promove, inclusive, a melhora nos índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Há também as contrapartidas aplicadas pelas empresas em benefício da comunidade com o incentivo a projetos econômico-sociais como: beneficiamento de produtos locais; reforma de equipamentos dos municípios como escolas, laboratórios, quadras e projetos para dessalinização de água para consumo humano, entre outros.

Um bom exemplo está em Touros/RN, na Comunidade Chico Mendes II, que de acordo com o relato da moradora, agricultora e professora, Karla Daniely Oliveira do Nascimento, a instalação do parque de energia eólica trouxe muitos benefícios para a localidade.

“A maior parte da nossa comunidade aceitou bem a chegada da energia eólica e compreendeu a importância da geração de renda e trabalho, capacitação e conhecimento para a população trazidos pelo empreendimento. Sabemos que existe um impacto ambiental, mas é preciso entender que não há progresso sem que algo ou alguém seja afetado. No meu caso, três estradas passam pelo meu terreno e tivemos que retirar uma parte da vegetação, mas para isso fomos indenizados individual e coletivamente”, explica.

Envolvimento das comunidades

A Agência de Desenvolvimento Local – Adel, organização que tem como missão promover o desenvolvimento de territórios rurais através do empreendedorismo e do protagonismo de jovens e agricultores, atua desde 2016 em comunidades situadas no entorno de empreendimentos eólicos. Já foram implementados mais de 20 projetos socioambientais beneficiando cerca de 7 mil agricultores em vários estados do Nordeste.

Para Wagner Gomes, cofundador e Diretor de Negócios da Adel, os impactos positivos e estruturantes para as economias locais são significativos, especialmente a longo prazo. “A indústria de energias renováveis representa um segmento com imenso potencial de geração de riquezas e é formada por empresas que atuam a partir de princípios éticos de governança e de responsabilidade social e ambiental. Geram empregos diretos e indiretos em toda a região, contribuem para estruturar e dinamizar cadeias de valor nos territórios em que têm operações. A maioria das empresas em questão investem em relações comunitárias e contam com estratégias sólidas de mitigação e compensação de impactos”.

Ele também reforça que é necessário que as comunidades sejam ouvidas e envolvidas no planejamento de implantação, fazendo com que ao longo da operação dos parques eólicos, os impactos positivos superem os negativos, dando oportunidade para que as próprias comunidades pautem as estratégias de mitigação e compensação desses impactos em articulação com os empreendedores. “O importante é que haja atenção e investimento na comunicação e nas relações com as comunidades. Que haja escuta ativa pelos empreendedores. Que haja articulação e engajamento em estratégias e pactos para que todos os lados sejam favorecidos por esses empreendimentos”, explica Wagner Gomes.

Na Comunidade Chico Mendes II, já citada anteriormente, a Adel, em parceria com uma empresa de energia eólica, atua com o apoio no fortalecimento e continuidade dos projetos como a reforma da casa de farinha e o trabalho de artesanato do grupo de mulheres da comunidade, implantação de projetos de apicultura, dentre outros.

Impactos ambientais e na cultura de povos tradicionais

Apesar dos inúmeros benefícios, o crescimento do uso da energia eólica e a instalação de parques eólicos no Brasil e ao redor do mundo têm chamado atenção de comunidades locais, governos e profissionais da área ambiental sobre eventuais efeitos negativos que afetam ou que possam afetar o meio ambiente e as populações locais.

Conforme estudos publicados por um grupo de pesquisadores do Observatório da Energia Eólica, desde 2008 têm sido identificados problemas ambientais e sociais devido à implantação de parques eólicos no estado do Ceará. “O primeiro problema, e um dos fundamentais, diz respeito à localização dos parques. A maioria está instalada na faixa costeira, em áreas ocupadas secularmente por comunidades tradicionais de pescadores artesanais, agricultores familiares e indígenas, degradando o ambiente natural e impactando negativamente a cultura desses povos”, explica a doutora Adryane Gorayeb, coordenadora do Observatório de Energia Eólica e professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Outra questão importante, apontada pela professora, é que os processos para a implantação dos parques eólicos provocam alguns impactos negativos para o meio ambiente, devido ao desmatamento da vegetação nativa, soterramento de lagoas naturais, aplainamento de dunas, modificação das propriedades dos solos e alteração das dinâmicas naturais dos fluxos litorâneos. Também existem relatos das populações locais referentes a possíveis aumentos de temperatura e diminuição do aporte de água subterrânea nos poços artesanais, após a implantação dos parques.

Alguns desses impactos negativos são relatados por João Luís Joventino do Nascimento, ou João do Cumbe, como é conhecido. Ele é conselheiro da Associação Quilombola do Cumbe, localizada em Aracati, no Ceará, e fala sobre a instalação de um parque eólico na comunidade, iniciado em 2008. “A nossa experiência com a chegada das eólicas foi muito ruim e, até hoje, ainda cobramos da empresa a solução para vários problemas causados por ela. Quando eles chegaram para se instalar, ninguém da comunidade teve acesso a nenhuma informação, não fomos ouvidos. A instalação se deu no campo de dunas da comunidade, em cima do aquífero que abastece o município de Aracati e a comunidade, com a privatização de determinadas áreas onde estavam lagoas temporárias, com a proibição do acesso à praia, aterramento de dunas, mudanças das dinâmicas dos ventos, da movimentação da areia e a destruição de dezenas de sítios arqueológicos”.

Após denúncia da Associação Quilombola do Cumbe a empresa eólica foi multada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Geográfico por destruição do patrimônio arqueológico. “Conseguimos que a multa fosse revertida em recursos para a construção de um museu comunitário para que as peças encontradas no sítio arqueológico voltassem para o seu lugar de origem. Tudo que a empresa se orgulha e diz ter feito pela nossa comunidade foi fruto da luta organizada dos quilombolas do Cumbe. Um dos nossos principais questionamentos está relacionado à produção da energia, pois aqui temos 67 aerogeradores produzindo energia, mas ninguém da comunidade utiliza essa energia, nem tão pouco tem uma diminuição no valor da conta de energia”, denuncia.

“Filhos do vento”

Em relação aos impactos sociais, a professora Adryane Gorayeb destaca, especialmente, os que podem influenciar os povos tradicionais. “Temos a diminuição das áreas de extrativismo vegetal e animal, devido às alterações nos ecossistemas litorâneos; a diminuição das áreas agricultáveis, devido à perda de territórios de uso comum para os parques eólicos, que bloqueiam a entrada dos moradores e, em geral, não permitem atividades conjugadas (como a de pastoreio, por exemplo); diminuição da pesca, devido à alteração do fluxo de sedimentos litorâneos e o aterramento de lagoas, fato que ocorre durante a construção dos parques eólicos em ambiente de praias e dunas”.

A emissão de ruído gerado pelas hélices das torres, que ocasiona constantes dores de cabeça e insônia, também é citada em muitos relatos das comunidades locais, bem como o bloqueio aos acessos à praia e às localidades vizinhas, que interfere no direito de “ir-e-vir” dos moradores locais; a mudança brusca no cotidiano das comunidades, com a entrada de grande quantidade de trabalhadores de outras regiões. “Essa mudança na rotina dos habitantes locais impacta, muitas vezes, de forma negativa na vida social, a partir da entrada de maiores quantidades de bebidas alcoólicas, drogas ilícitas e, até mesmo, relatos de prostituição infantil e gravidez precoce, cujas crianças que nascem ficam conhecidas nas comunidades como “filhos do vento”, relata Adryane Gorayeb.

Equilibrando e minimizando os impactos

Para o diretor-presidente do CERNE, é evidente que qualquer atividade exercida pelo homem na terra produz algum impacto, mas as fontes de geração renováveis oferecem um equilíbrio entre a exploração e preservação do meio ambiente. “É importante destacar que a geração eólica não emite CO2 na atmosfera, ou seja, comparada às fontes fósseis, o impacto é extremamente inferior. Todo projeto eólico exige a execução de estudos ambientais solicitados pelos órgãos ambientais estaduais, tendo nesses estudos, como também nos projetos técnicos, a avaliação dos impactos que podem ocorrer no entorno dos parques como ruído, sombra, entre outros. Há também a obrigatoriedade, por parte das empresas, de realizar programas de acompanhamento para o monitoramento da avifauna entre outras ações, a fim de acompanhar e minimizar possíveis problemas identificados”, explica.

Segundo a coordenadora do Observatório de Energia Eólica, apesar de ser considerada “limpa”, a energia eólica não é livre de impactos, mas muitos podem ser minimizados com um planejamento relacionado à implantação de parques eólicos e à gestão dos benefícios gerados através desta indústria, com foco não só no benefício global, mas no impacto local positivo desta atividade.

Existem algumas soluções possíveis que apontam para a diminuição dos impactos da implantação dos parques eólicos nas comunidades locais como: segurança legal da posse da terra pelas comunidades tradicionais; pagamento de aluguéis e de porcentagens sobre a geração às associações comunitárias; abatimento das contas de energia dos moradores locais; criação de programas permanentes de educação e promoção de boas práticas; elaboração de leis e planos municipais para a implementação da energia eólica; elaboração de estudos de impacto ambiental incluindo a conscientização pública, informação ampla e estratégias de comunicação que tratem dos benefícios e possíveis danos ao ambiente natural, social e à saúde humana e, por fim, a construção de um zoneamento estadual que identifique níveis de compatibilidade das regiões do estado com a implantação de parques eólicos, com ampla participação social.

Estudos apontam que é possível obter eficiência de geração de energia através da força dos ventos em terrenos localizados no “tabuleiro litorâneo”, áreas que ficam à retaguarda das dunas e são mais propícias socioambientalmente para a instalação de parques eólicos, pois são regiões ecodinamicamente mais estáveis, e que possuem menor número de comunidades tradicionais e indígenas quando comparadas às áreas litorâneas. “Essas regiões são historicamente ocupadas por fazendas de médio e pequeno porte, o que possibilita, de modo mais justo, o arrendamento e/ou compra dos terrenos pelos empreendedores. Desde a mudança na Resolução CONAMA, em 2014, que estabeleceu normas mais rígidas para a instalação de parques eólicos, estamos percebendo uma “migração” da instalação dos parques eólicos para o interior do estado, saindo da franja litorânea”, conclui a professora.

O Futuro

Sem dúvida, a geração de energia eólica tem inúmeras vantagens por ser energia limpa, barata, renovável e abundante no Brasil e não produzir resíduos em seu processo de geração.

A perspectiva é que a produção, que já é a segunda na matriz energética brasileira atrás apenas das usinas hidrelétricas, continue crescendo nos próximos anos. Atualmente, o Brasil está entre os dez países com maior capacidade para produzir energia eólica onshore (terrestre), ocupando o oitavo lugar. Com isso, espera-se que em 2023, haja cerca de 21 GW de capacidade eólica instalada.

É importante compreender que não existe nenhuma atividade econômica que não cause interferências ambientais, que podem ser maiores ou menores, e no caso, a energia eólica é uma das que provocam menos impactos. Definitivamente, é uma das melhores alternativas de energia limpa para o presente e para o futuro.

Para que os possíveis impactos negativos sejam o menor possível, as empresas de energia eólica tem aperfeiçoado os projetos de implementação dos parques geradores, realizando estudos para encontrar a melhor localização, diminuindo o impacto ambiental. Outro ponto fundamental é a interação com as comunidades que vivem nos territórios a serem ocupados pelos parques de energias eólica. O trabalho em parceria com organizações de desenvolvimento comunitário, como a Adel, tem grande relevância para promover uma convivência benéfica para todos envolvidos e aumentar o impacto positivo desses empreendimentos nas comunidades locais.