Brasil Energia – Continuidade dos parques

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Manutenção eólica passa por mudanças de estratégia e vê novas tecnologias disponíveis para manter os aerogeradores operando

Toda máquina ou equipamento é projetado para uma determinada vida útil desde que seja cumprido um determinado ciclo de manutenção. Especificamente no setor eólico, a manutenção preventiva deve garantir que o aerogerador esteja apto a operar especialmente na safra de vento, conforme a sazonalidade da região. Com o amadurecimento da operação dos parques, este segmento começa a passar por mudanças.

Como os investimentos em eólica são de longo prazo – 20 anos ou mais -, caso o aerogerador não atenda às expectativas de geração e disponibilidade ao longo de cada ano, o investidor não obterá o retorno inicialmente projetado.

Ou seja, para usinas eólicas, que operam em regime continuo 24/7, a rotina de manutenção é mandatória.

“Parques eólicos em geral estão em operação contínua e são muito relevantes para o sistema elétrico nacional, principalmente no nordeste do Brasil, onde mais de 50% da demanda é atendida por essa fonte renovável de energia”, pondera Jorge Alcaide, presidente da Wärtsilä no Brasil.

Uma das principais fornecedoras de equipamentos para os segmentos de óleo e gás e energia no Brasil, a Finlandesa Wärtsilä prevê inaugurar ainda neste ano uma base dedicada ao segmento de eólica. A Finlandesa escolheu o Brasil para ser o projeto-piloto no setor eólico global.

A nova base da companhia deve entrar em operação no final do ano, em Pernambuco.

Para Alcaide, independentemente da idade dos parques, a manutenção deve ser parte integrante da rotina dos ativos para garantir a vida útil de 20 anos estabelecida em contrato no ambiente regulado e para atendimento as cláusulas de financiamento de longo prazo.

Para o Diretor de Novas Energias da WEG, João Paulo Gualberto Silva, o maior benefício da manutenção é a certeza de o fluxo de caixa projetado do investidor ser realizado.

“Se o vento sopra e o aerogerador está disponível, a geração produzirá a receita esperada”, observa.“Um bom programa de manutenção identificar e previne futuros defeitos. Uma manutenção ineficiente, trará não só gastos imprevistos/adicionais como também perda de disponibilidade e geração”.

Silva lembra que os parques eólicos no Brasil são relativamente novos, ainda não chegaram em sua grande maioria na metade de sua vida útil dos aerogeradores.

De acordo com dados da Aneel, em 2020 serão 906 MW com mais de dez anos em operação – tempo médio de duração dos contratos de manutenção normalmente assinados pelos geradores com os fabricantes de turbinas. Até 2024, esse potencial mercado para novos contratos de manutenção salta para 4.959 MW – só em 2014, entraram 2.785 MW.

“A medida que os anos passam, os aerogeradores terão que sofrer ações corretivas mais frequentes”, observa. “É neste momento que perceberemos com mais ênfase o resultado de uma boa manutenção. Aqueles empreendimentos que tiveram programas de manutenção deficientes terão custos maiores e paradas mais frequentes”.

Itens Críticos

O consultor da UL, Alexandre Pereira, lembra que, no Brasil, os ventos fortes e constantes aceleram o desgaste dos equipamentos. “Seria o equivalente a um carro que circula sem parar porque o combustível é inesgotável e fatura-se por km rodado”, compara.

Segundo Pereira, as condições meteorológicas de temperatura, umidade, areia e salinidade de alguns locais do Brasil são muito agressivas e desfavoráveis para equipamentos elétricos/eletrônicos, sensores, graxas e óleos lubrificantes usados em turbinas eólicas. “Por isso é fundamental que o plano de manutenção dos equipamentos seja adequado às condições operacionais de cada local”, reforça.

Essas peculiaridades tornam necessária a tropicalização dos equipamentos para atender melhor o ambiente brasileiro, já que os equipamentos disponíveis hoje no mercado foram projetados para os ventos da Europa, com uma previsão de vida útil de 20 anos, devido ao fator de capacidade de 20% a 25%. Mas os ventos do Brasil são fortes e constantes, com fator de capacidade entre 40% a 45%. Logo, os equipamentos se desgastam mais.

Entre os itens críticos para a manutenção dos parques, dados de consultorias internacionais apontam que o equipamento de maior atenção e desgaste em um aerogerador é a caixa de engrenagem instalada dentro da casa de máquinas, no topo do aerogerador, entre o gerador elétrico e o rotor das pás.

Apesar dos progressos que foram feitos na confiabilidade da caixa de engrenagens, esse ainda seria o elo fraco da cadeia, especialmente pelo custo e tempo de reparo. Além da caixa de engrenagem, outros itens considerados críticos são a caixa multiplicadora e pás, apontam especialistas ouvidos pela Brasil Energia.

Ventos da mudança

Se no início do mercado a manutenção de aerogeradores focava em prevenção e correção, atualmente fala-se em manutenção preditiva para os componentes mais críticos.

“No entanto, é fato que o setor de manutenção passará por grandes mudanças e salto tecnológico nos próximos anos”, a afirma Silva, da WEG. Segundo ele, com a indústria 4.0, os aerogeradores serão cada vez mais equipados com sensores que permitam acompanhar em tempo real a condição de cada componente e, assim, ser muito mais e ciente nas eventuais manutenções corretivas. “Os softwares serão cada vez mais refinados, incluindo big data, machine learning, gêmeos digitais e inteligência artificial”, comenta Silva.

Outra tendência, segundo Alcaide, da Wärtsilä, é a adoção de Conditioning Monitoring System (CMS) que através de inteligência artificial, integra os alarmes dos supervisórios (SCADA) com os sistemas de manutenção (CMMS).

“Isso facilita o acesso a informações relevantes sobre a performance do parque eólico e confiabilidade dos ativos”, explica.

Existe ainda uma silenciosa mudança em curso, tão importante e impactante para o mercado quanto as transformações tecnológicas.

Boa parte dos contratos iniciais, firmados com os fabricantes, chega, nos próximos anos, à sua fase final, próxima do encerramento. E a primarização por parte dos proprietários, de assumir a manutenção dos ativos, é um assunto que vem sendo discutido cada vez mais no setor.

A CPFL, por exemplo, avalia a primarização de O&M em um parque no Rio Grande do Norte, a partir de janeiro de 2021. “A perspectiva é de redução de custos, mas, para a companhia, o principal é que vamos trazer para dentro da empresa um know how em operação e gestão que poderá ser replicada, no futuro, em outros parques”, explica o superintendente de O&M Eólica da CPFL Renováveis, Ricardo Barbosa, que preferiu não dizer qual parque terá operação primarizada. A companhia tem 1.308 MW eólicos em operação e 69 MW em construção.

A notícia não é muito boa para os fabricantes, já que atualmente, no Brasil, 90% das usinas eólicas utilizam os contratos de manutenção do tipo full scope, onde os fabricantes assumem todas as responsabilidades pela operação e manutenção dos equipamentos.

“A primarização com apoio de um terceiro é uma tendência no Brasil, como já ocorreu no mundo. Em Portugal, por exemplo, a manutenção dos parques eólicos é feita muitas vezes pelo proprietário do parque, que ao longo dos anos foi adquirindo experiência para realizar a atividade”, afirma o diretor técnico da Abeeólica, Sandro Yamamoto.

“Mas o Brasil é diferente de outros países. Temos grandes grupos com essa capacidade. Mas temos várias empresas que são menores, com menos interesse em bancar essa atividade”, pondera.

Yamamoto observa que, de olho nas oportunidades de negócios nesse segmento, empresas com atuação internacional aterrissaram no Brasil. Mas existem, no país, casos de grandes especialistas de parques que saíram de empresas multinacionais e montaram seus próprios negócios, principalmente no segmento de manutenção de aerogeradores.

Colaborou para isso, segundo Yamamoto, o encerramento das atividades, no Brasil, da indiana Suzlon e da argentina Impsa, duas pioneiras na fabricação de aerogeradores no país. “Com isso, os proprietários dos parques que eram atendidos pela Suzlon e pela Impsa foram obrigados a contratar outras empresas para fazer a manutenção dos equipamentos. Essas empresas, por sua vez, acabaram se qualificando para prestarem serviços para outros parques”, avalia.

“Lá atrás, os fabricantes colocavam as atividades de operação e manutenção em seus contratos muito porque, na época, não havia mão de obra qualificada, nem mesmo para construção, imagina para fazer a manutenção das máquinas”, recorda Darlan Santos, diretor-presidente do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne). “O custo homem-hora das fabricantes é muito alto. Os proprietários dos parques estão começando a enxergar isso e a contratar empresas locais”, conta.

Para especialistas, apesar da primarização ser uma clara tendência, nem todos os proprietários devem aderir. Empresas estatais tendem a manter contratos de longo prazo, enquanto as privadas teriam mais apetite por reduzir custos e contratar empresas locais.

Sendo que a primarização aconteceria principalmente entre os grupos mais maduros e consolidados.

“É algo que vai acontecer nos contratos mais novos, na medida que os componentes forem saindo da garantia. Daí o investidor vai avaliar se mantém o contrato com a fabricante ou primariza”, afirma Yamamoto, da Abeeólica.

O diretor avalia que as fabricantes, grandes empresas de atuação internacional e experiência de muitos anos, já têm no radar essa evolução do mercado e a possibilidade dessa mudança de contratos.

Histórico e transparência

Ponto pacífico entre os especialistas ouvidos pela Brasil Energia: o custo associado a uma falha catastrófica é como a quebra de uma pá. Para além da rotina de manutenção, isso poderia ser evitado com o levantamento do histórico de falhas dos equipamentos.

“Até hoje não temos a real noção do impacto dos ambientes nas máquinas. Podemos ter esse tipo de informação mais para a frente. Ainda vamos construir esse histórico “, afirma Santos, do Cerne. ” O ideal seria aguardar o segundo ciclo dos projetos. Só quando fechar um ciclo podemos fechar números “.

Segundo Santos, esse tipo de relatório, comum na Europa, virá com o amadurecimento da indústria como já existe em outros segmentos, como o setor de petróleo que costuma divulgar, inclusive, essa informação.

Esse acervo histórico pode ser prejudicado pela substituição das máquinas, devido ao rápido avanço tecnológico, ou pelo chamado re-power. “A repotenciação das máquinas pode dificultar a elaboração de estudos sobre a manutenção, criar memória da vida dos equipamentos”.

Fonte: Brasil Energia | Cassiano Viana