Luciano Costa | Reuters
O Brasil tem visto uma verdadeira “corrida” de investidores pelo registro de novos projetos de geração renovável, principalmente solares, em meio à previsão de retirada a partir de 2022 de um subsídio concedido a novos empreendimentos de energia limpa.
O movimento envolve empresas como as espanholas Iberdrola e Solatio, as francesas Voltalia e EDF, a italiana Enel e a portuguesa EDP Renováveis, além da Atlas Energia, da britânica Actis, e grupos locais como Pacto e Casa dos Ventos, segundo relatório da consultoria ePowerBay antecipado à Reuters.
A tendência também entrou no radar da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Um diretor do regulador, Sandoval Feitosa, apontou na última semana “preocupação” com o excesso de pedidos de outorgas para novas usinas e disse que avaliará eventuais mudanças no processo de aprovação de projetos.
O maior apetite de investidores vem após o governo ter sancionado em março uma lei decorrente da medida provisória 998/2020, que prevê o fim de um desconto em taxas pelo uso da rede elétrica garantido hoje a projetos de geração renovável.
Esse incentivo, que é custeado com encargos cobrados nas contas de luz, só será concedido a novos projetos solares e eólicos que obtenham outorga da Aneel até março de 2022.
Se antes da publicação da MP 998, em setembro passado, a Aneel registrou em um mês pedidos de outorga para 8,7 gigawatts em novos projetos, em março de 2021 esse volume mais do que dobrou para 18 gigawatts, destacou a ePowerBay em seu relatório.
O montante supera a capacidade de Itaipu (14 GW) e é bem maior que o total do Brasil em grandes usinas solares (3,3 GW).
“Certamente o fim do desconto está acelerando a busca pela outorga de autorização pelas empresas desenvolvedoras, principalmente para os projetos solares”, afirmou a consultoria.
A grande movimentação acende um alerta devido a temores de que algumas empresas estejam buscando garantir outorgas apenas para lucrar mais à frente, quando projetos que tenham assegurado o desconto no uso da rede vão se tornar mais raros e valiosos, disse à Reuters o presidente da comercializadora de energia Copel Mercado Livre, Franklin Kelly Miguel.
Um dos motivos para preocupações com a possível especulação em torno de projetos e a corrida por outorgas é a possibilidade de que as regiões com melhores irradiações solares acabem “congestionadas”, com as usinas previstas esgotando a capacidade da rede de transmissão, disse o sócio da ePowerBay, Afonso Lugo.
“Do norte de Minas até o leste de Goiás tem muitos projetos, é uma região que está bastante requisitada. E isso é puxado pela solar, porque ali não tem eólicas.”
O aquecimento nos pedidos de outorga solar também deve-se às menores exigências –eólicas têm que entregar históricos de medição de ventos de pelo menos três anos, acrescentou Lugo.
Entre as empresas que mais solicitaram outorgas para usinas solares junto à Aneel estão as desenvolvedoras brasileiras Aurora Energias Renováveis (7,2 GW), Pacto (5,3 GW) e Casa dos Ventos (4,4 GW), segundo levantamento da ePowerBay.
Das estrangeiras, destacam-se as francesas Voltalia (4 GW) e EDF (1 GW), as espanholas Iberdrola (2,1 GW) e Solatio (1,2 GW) e a portuguesa EDP Renováveis (1,75GW); além da Atlas (1,2 GW), da Actis, e a italiana Enel Green Power (910 MW).
A ePowerBay listou ainda petroleiras, como a anglo-holandesa Shell, que pediu outorga para 1,5 GW em usinas solares, e a Total Eren, da francesa Total, que já obteve outorga para 48 MW.
ANEEL ATENTA
O apetite pelas outorgas para renováveis chamou a atenção da Aneel, que avalia os pedidos, disse na última terça-feira o diretor Sandoval Feitosa, em reunião semanal do regulador.
Ele demonstrou preocupação de que certos investidores tenham pedido outorga só para “ocupar um lugar ao sol”, prejudicando quem quer “efetivamente implantar seus empreendimentos”.
Segundo o diretor, já há queixas de empresários que temem que novos projetos sendo registrados possam interferir negativamente sobre seus empreendimentos em desenvolvimento.
“Temos em torno de mil outorgas vigentes e pouco mais de 200 estão efetivamente em construção”, afirmou Feitosa.
Ele ficou de estudar uma proposta para eventual mudança no rito de concessão das outorgas, o que seria submetido à apreciação do restante da diretoria da agência.
DESCONTO VALIOSO
O Ministério de Minas e Energia defende que os subsídios às renováveis que serão eliminados a partir de 2022 geram custos de cerca de 4 bilhões de reais por ano para os consumidores de energia em geral, por meio de encargos na conta de luz, em despesas que ainda aumentavam cerca de 500 milhões por ano.
Os beneficiados com o incentivo são empresas que atuam no chamado mercado livre de eletricidade, onde clientes com grande demanda como indústrias podem negociar diretamente contratos de energia com geradores e comercializadoras.
O CEO da Copel Mercado Livre, Franklin Miguel, disse que na prática o incentivo gera redução de custos de 35 e 40 reais por megawatt-hora para o comprador dessa energia.
Isso permite que a produção de eólicas e solares, negociada no mercado livre elétrico a entre 120 e 130 reais por megawatt-hora, seja bastante competitiva frente à energia “convencional” de hidrelétricas, vendida a 90 reais por MWh, exemplificou ele.